Bom dia!!!
Combinei de começar o dia caminhando com o Gustavo. Mas, tinha a intenção de me separar dele e seguir no meu próprio ritmo, caso o ritmo dele fosse muito diferente do meu. Eu precisava finalmente ouvir meu corpo!!!
Saímos bem cedo, antes da 6h da manhã, e o dia ainda estava escuro, o dia por amanhecer…
Passamos por Pereje e paramos para tomar um segundo café da manhã em Trabadelo (9,5km depois de Villafranca). Encontramos a Marta lá, que, eu acho, tinha saído antes da gente, não sei dizer.
Nesse trecho do Caminho, muitas pessoas alugam cavalos ao invés de caminhar, penso que seja por causa da forte subida para chegar ao Cebreiro…
O início deste trecho do Caminho foi tranquilo. Era plano ou apresentava uma subida bem leve, beirando a estrada maior ou em estradas secundárias paralelas a carretera principal.
Fizemos uma segunda parada em num hotelzinho super simpático chamado Paraiso del Bierzo para beber algo gelado pois o dia estava bem quente!!!
E,.., seguimos sem pressa, curtindo a caminhada, conversando, apreciando a paisagem e ouvindo musica no celular do Gustavo. Surtei de felicidade quando ele disse que tinha Luiz Gonzaga e tinha inclusive a musica que eu vinha querendo ouvir desde que comecei o caminho, “Vida de Viajante”:
Minha vida é andar por esse país, Pra ver se um dia descanso feliz
Guardando as recordações, Das terras por onde passei
Andando pelos sertões, E dos amigos que lá deixei
Chuva e sol, Poeira e carvão
Longe de casa, Sigo o roteiro
Mais uma estação. E a alegria no coração
(…)
Mar e terra, Inverno e verão
Mostre o sorriso, Mostre a alegria
Mas eu mesmo não. E a saudade no coração!
Adoro essa música! Tem a ver comigo, com minhas viagens, com minhas buscas… E achei esse trecho do caminho muito bonito…
Ouvimos muitas músicas boas nesse dia durante nossa caminhada: Eddie Vedder, Chico Buarque, Yael Naim, Madeleine Peyroux, Bobby McFerrin, uma seleção super adequada para o Caminho, mas quem reinou mesmo foi o “Rei do Baião” Luiz Gonzaga, com suas músicas e histórias,…, em especial “Estrada de Canindé”.
Qualquer semelhança com o caminho é mera coincidência, ou não é??!!
Ai, ai, que bom, que bom, que bom que é
Uma estrada e uma cabocla, com a gente andando a pé
Ai, ai, que bom, que bom, que bom que é
Uma estrada e a lua branca, no sertão de Canindé
Artomove lá nem sabe se é home ou se é muié
Quem é rico anda em burrico, quem é pobre anda a pé
Mas o pobre vê nas estrada, O orvaio beijando as flô
Vê de perto o galo campina, que quando canta muda de cor
Vai moiando os pés no riacho, que água fresca, nosso Senhor
Vai oiando coisa a grané, coisas qui, pra mode vê
O cristão tem que andá a pé!!!
E como andamos!!! Ai que saudade de andar que me deu agora…
Trilha sonora perfeita! Ai, ai, o forró! O forró sempre presente na trilha musical da minha vida!!!
Ah!!! Mas tenho que contar que tomamos “bronca” de um peregrino que disse que o caminho deveria ser feito em silêncio e que não deveríamos ouvir musica durante tal peregrinação!
Ainda bem que nem sempre acredito em “tenho que”! Na minha humilde opinião, não penso que haja “certo e errado” descolado da situação. Tudo depende do contexto, até mesmo porque ouvir musica poderia distrair-nos do nosso objetivo ou poderia, pelo contrário, nos ajudar na conexão com o sagrado em nós! E ajudou!!!
Tem momento para tudo… melhor viver sem muitas amarras…
Dia de fotos, música, conversa, silêncio e nada de dor até então! Bom, pelo menos não que eu me lembre de ter tido dor ou que eu tenha anotado no meu diário que estivesse com dor…
Que alívio…
Quando a parte mais plana do trecho acabou e começamos a subir em direção ao Cebreiro, eu não sabia se minha canelite me permitira chegar muito longe,…, mas nunca sabemos mesmo até onde podemos ir.
De qualquer forma eu tinha o desejo de dormir no Cebreiro porque todos os peregrinos que eu conheço tinham me dito que era um lugar muito especial. Além disso, meus amigos peregrinos estariam lá também, mas só me restava dar um passo de cada vez…caminhar…entregar… confiar… aceitar e agradecer! No momento certo, saberia até onde minha canela direita me permitiria chegar!
Paramos mais uma vez para nos refrescar, desta vez em La Faba, e ganhamos figos de um morador daquele pequeno vilarejo. Ele nos contou que ali moravam apenas 4 homens e uma mulher e por isso, nunca se casou (porque não foi o escolhido pela única mulher da vila!). Doido isso!!! Contou ainda que tinha carro, mas nunca tinha saído do vilarejo, nunca teve vontade de sair!!!
O mundo pode ser tão grande e tão pequeno ao mesmo tempo… Ou será que pequeno e grande são conceitos relativos??!!
Ele nos mostrou seu pomar, e compartilhou um pouco das suas histórias, além dos figos…
E continuamos subindo num calor super forte, e para minha alegria, eu estava mesmo sem dor!!! De qualquer maneira, paramos diversas vezes por causa do calor do dia… e o caminho estava lindo!!! Tinha até uma imagem de Ganesha na trilha, removendo os obstáculos do caminho …
Nossa ultima parada foi em La Laguna e quando percebemos já estávamos no Cebreiro, 30 km depois de VillaFranca!
Curioso! Talvez não fosse a distância e sim a velocidade de caminhada que estava me causando dor…., talvez eu só precisasse me soltar um pouco, ser mais flexível, me ouvir mais, quem poderia dizer…
Naquele dia não tive dor!
Pelo avançar das horas, conseguimos as ultimas vagas do albergue, mas o importante é que conseguimos vagas! Ufa! Imagine chegar lá e ficar sem lugar pra dormir e ter que prosseguir mais muitos quilômetros!!!
E nosso grupo de amigos também estava todo lá e fomos recepcionados carinhosamente por eles! Pelo ritmo deles, tinham sido uns dos primeiros a chegarem no Cebreiro!
Fomos todos à missa, que foi emocionante, e celebramos mais uma vez a vida jantando todos juntos!
Um dos dias memoráveis do Caminho…
Para finalizar o dia, subi sozinha no alto do Cebreiro para ver o por do sol, agradecer pelo dia e meditar… dessa vez chorei de gratidão e não de dor…
Ommmm…
Bom na vida é poder mudar, todo dia…
Buen Camino!!!
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